8/03/2007
AUTO-RETRATO
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces / Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse / Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos, / (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços, E nunca vou por ali... / A minha glória é esta: Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade / Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde / Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde / Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos, / Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, / A ir por aí... Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestasvirgens, / E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada. / Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem / Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, / E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem, / Amo os abismos, as torrentes, os desertos... (...) (José Régio)
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